Tomamos a liberdade de publicar aqui em nosso site uma listagem de obras, feita pelo ilustre membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o dr. Victor Emanuel Vilela Barbuy, que, apesar das discordâncias ideológicas que mantenho com ele, sempre se mostrou ser um filho dileto da pátria paulista.
Júlio Bueno ************************************************************************************* Segue uma lista (divida em três seções) das principais obras que li a respeito dos bandeirantes ou que contêm importantes páginas sobre essa estirpe de gigantes: 1. Obras históricas e/ou sociológicas - Vida e morte do bandeirante, de Alcântara Machado; - Raça de gigantes, de Alfredo Ellis Junior; - O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano, de Alfredo Ellis Junior; - História geral das bandeiras paulistas, de Affonso d'Escragnolle Taunay; - No tempo dos bandeirantes, de Belmonte; - Marcha para Oeste, de Cassiano Ricardo; - Entradas e bandeiras, de J. F. de Almeida Prado; - Dicionário de bandeirantes e sertanistas brasileiros, de Francisco de Assis Carvalho Franco; - Nobiliarquia Paulistana, de Pedro Taques de Almeida Paes Leme; - História de São Paulo, de Tito Lívio Ferreira; - Gênese social da gente bandeirante, de Tito Lívio Ferreira; - Paulística, de Paulo Prado; - Os paulistas, de João de Scantimburgo; - Populações meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna; - Evolução do povo brasileiro, de Oliveira Vianna; - Instituições políticas brasileiras, de Oliveira Vianna; - Formação da nacionalidade brasileira, de Oliveira Lima; - História do Brasil, de Plínio Salgado; - Como nasceram as cidades do Brasil, de Plínio Salgado; - Nosso Brasil, de Plínio Salgado; - Problemas brasileiros de Antropologia, de Gilberto Freyre; - Continente e Ilha, de Gilberto Freyre. - Traços da Economia Social e Política do Brasil Colonial, de Félix Contreiras Rodrigues; - Formação brasileira, de Hélio Vianna; - Estudos de História Colonial, de Hélio Vianna. 2. Romances: - A muralha, de Dinah Silveira de Queiroz; - A voz do Oeste, de Plínio Salgado; - As minas de prata, de José de Alencar (sobre o bandeirismo baiano); - O pajem negro, de José de Alencar (inacabado); - O caçador de esmeraldas, de Hernâni Donato; - A bandeira de Fernão Dias, de Paulo Setúbal. 3. Obras poéticas: - Armorial, de Paulo Bomfim; - A invenção do mar, de Gerardo Mello Mourão; - Os bandeirantes, de Baptista Cepellos; - O caçador de esmeraldas, de Olavo Bilac; - Os Brasileidas, de Carlos Alberto Nunes; - Martim Cererê, de Cassiano Ricardo. https://www.facebook.com/victoremanuel.vilelabarbuy/posts/2720224298088353
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![]() Verbete "São Paulo" do livro Informações Históricas sobre São Paulo no século de sua fundação, de Edith Porchat. SÃO PAULO: (fundação e primeiros tempos coloniais) - Em 1549, enviado por Dom João III, chegou à Bahia o padre Manuel da Nóbrega, chefiando um grupo de jesuítas a fim de auxiliar os portugueses na obra de catequese dos índios brasileiros. Imediatamente, mandou o padre Leonardo Nunes fundar um colégio em São Vicente e, em 1553, nomeado provincial da Companhia de Jesus no Brasil, dirigiu-se também a São Vicente, onde, em dezembro do mesmo ano, chegavam José de Anchieta e outros jesuítas. Encontrando o litoral já quase todo habitado por portugueses inescrupulosos e índios escravizados , e verificando que os pais dos discípulos do Colégio de São Vicente moravam quase todos no interior, tomou por guia André, filho de João Ramalho, e rumou para o sertão à procura de lugar mais adequada para o ensino. Descobriu no planalto de Piratininga a aldeia fundada por João Ramalho: Santo André reunindo às vezes vinte pessoas, entre missionários e curumins, que lá se iam educar. À entrada da choupana, uma esteira servia de porta. Dormiam em redes. O fogo, aceso para aquecer, fazia as vezes tanta fumaça no interior que, apesar do frio, os jesuítas preferiam estudar com os alunos ao ar livre. Comiam sobre folhas de bananeira, constando a refeição de farinha de mandioca e, raramente, de algum peixe ou caça. Os caciques Tibiriçá e de Caiubi mudaram-se com seus índios para as redondezas do Colégio, estabelecendo-se o primeiro lugar onde surgiu depois a rua Martin Afonso, hoje São Bento, e o segundo, para os lados da Tabataguera, hoje Tabatinguera. O arraial foi logo cercado por muros de taipa de pilão e estacada, construídos pelos principais moradores e pelos índios guaritas de atalaia e, de quando em quando, uma porta na direção de alguns caminhos principais. Mais tarde, com o desenvolvimento do povoado, os muros foram alargados. Os fundadores de São Paulo foram doze ou treze jesuítas, que até hoje não ficaram bem identificados, por falta de documentos. Seriam eles, provavelmente, entre padres e irmãos da Companhia: Anchieta, Manuel de Paiva, Afonso Brás, Vicente Jácome, Francisco Pires, Mateus Nogueira, Antônio Rodrigues, João de Sousa e Fabiano de Lucena. Em 1560, Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil, ao transferir os moradores de Santo André para a vila de São Paulo, aconselhado por Nóbrega, tinha em vista medidas econômicas, melhor abrigo contra os índios e posição mais adequada ao trabalho dos missionários. Além disso, considerava o local ponto de partida estratégico para as excursões ao Paraguai e ao interior do Brasil, como de São Paulo. Para defender os viajantes contra os contínuos assaltos dos tamoios, entre São Paulo e Santos, Mem de Sá determinou que se usasse o "Caminho do Padre José", assim chamado em homenagem a Anchieta, a quem se atribui erradamente a construção dessa estrada. Com o abandono da Vila de João Ramalho e o afluxo de portugueses do litoral o ambiente de São Paulo tornou-se desfavorável à catequese. Em 1561, Nóbrega e Luís da Grã, seu "colateral" na Companhia de Jesus, resolveram transferir o Colégio para São Vicente. Em 1562, índios guaianás, carijós e tamoios do vale do Paraíba, chefiados por Jagoanharo, sobrinho de Tibiriçá, pintados e emplumados, armados de arcos e flechas, assaltam a vila de São Paulo, com grande alarido, bater de pés, gritos e assobios. Foram repelidos pelos heroísmo de Tibiriçá. Em maio de 1563, Nóbrega, para negociar a paz com os tamoios, toma Anchieta entretanto conseguiu acalmar. Chamado a São Vicente, Nóbrega viu-se obrigado a deixar Anchieta como refém. Durante a permanência no aldeiamento inimigo, Anchieta compôs e docorou o famoso poema escrito na areia, dedicado à Virgem. Só voltou para São Vicente depois do armistício de Iperoig, realizado a 14 de setembro de '563. Por essa época, uma epidemia de varíola assolou Piratininga, fazendo numerosas vítimas e expondo a população à fome a miséria. Entre 1567 e 1570 Anchieta proporciona a São Paulo a representação do Auto da Pregação Universal, peça de sua autoria, escrita em parte em tupo e parte em português. Representada ao ar livre epidemia disentérica. Tamoios e franceses ainda tentam assaltar São Vicente, mas são repelidos. Repelidos são também os ataques de Edward Fenton e Tomas Cavendish à vila de Santos. Em meio a todo esse tumulto, São Paulo consegue desenvolver pequenas indústrias, como a de tecidos de algodão, chapéus de feltro e a da marmelada, que, em fins do século XVII, se tornaria uma das principais fontes de renda de Piratininga, chegando uma caixeta a ser vendida, mas minas, por preço equivalente a mais de uma grama de ouro. São Paulo cultiva trigo, cevada, uva, roseiras para a indústria de água de rosas e alguma cana de açúcar para o próprio consumo. A criação de gado toma certo incremento. Até o fim do século XVI, o paulista era pobre. A vila teria mil e quinhentos habitantes, com cento e cinquenta "fogos". O mobiliário das casas e tudo o que o cercava era primitivo e sem conforto. Panos de algodão, carnes, galinhas e mantimentos em geral eram a moeda corrente da época. Cada missa custava sete frangos. A vida era cara e difícil. O "edifício" do Senado da Câmara, pertencente a particulares, construído no lugar depois chamado de pátio de São Francisco, era uma casa coberta de palha que já desabara uma vez e fora reconstruída por alguns homens abnegados. O paulista vivia isolado, por não ter produção que interessasse ao estrangeiro. Ignorava o que ia ser pelo mundo. Evoluíra de maneira diferente e talvez por esse motivo se tivesse tornado altivo e independente, demonstrando personalidade e insubmissão. Os índios continuavam a perturbar a vida da capitania. Em 1590, inesperadamente irrompem em São Paulo os tupiniquins, devastando aldeias e queimando igrejas. Durante seias anos, Jerônimo Leitão, capitão-mor, lutou contra essas invasões. Os rios eram as melhores vias de transporte no planalto, por exigirem menos esforço e oferecerem mais garantia contra os ataques. Para chegar ao porto do rio Tietê, onde em 1700 foi construída a Ponte Grande (com 4 palmos de largura e orçada em 200$000), tomava-se uma canoa no Tamanduateí, no lugar chamado "porto geral" para povoação, "para o qual se descia por uma viela empinada" que ainda hoje conserva o mesmo nome e inclinação (ladeira Porto Geral). A língua falada entre os paulistas era mais comumente a "língua geral", que era o tupi adaptado pelos jesuítas. Só na primeira metade do século XVIII é que foi substituída pela língua portuguesa, apesar daquela ser preferida pelos velhos até fins do mesmo século. Explica-se esse fato pela convivência dos colonos com os índios, em geral empregados domésticos, ou, em grande parte, utilizados na lavoura. Havia grande diferença na educação dos dois sexos. Os homens aprendiam a ler, escrever e contar. As mulheres só sabiam cozinhar, lavrar a terra e fazer renda. Não era admissível a uma dona-de-casa ilustrar o espírito. Em 1597, os paulistas, com os Afonso Sardinha à frente, extraíram algum ouro de lavagem nas menias de Jaragua, Vuturana, Jaguaminguba, Ribeira de Iguape, Cananeia. Em 1599, com a chegada de dom Francisco de Sousa, governador-geral do Brasil, começam a interessar-se pelo luxo. As famílias mais abastadas tinham até criados de libré. A situação econômica tende a melhorar a partir de 1601, tornando-se a cultura de açúcar a maior riqueza do paulista, a até à primeira metade do século XVII. Nessa época, o traçado de São Paulo, embora rústico, era em linhas gerais o mesmo que o atual. O centro da cidade já formava um triângulo com as igrejas de São Francisco, São Bento e Carmo. A rua Direita chamava-se de Santo Antônio e, mais tarde, da Misericórdia. A de São Bento era chamada Martin Afonso, nome cristão do cacique Tibiriçá. Em 1628, os paulistas, com Raposo Tavares à frente. entregam-se à famosa caça ao índio. Cometem atrocidades, como aliás, em todo o mundo, o faziam os desbravadores do sertão. Era tão grande a sua fama de tirania que o vice-rei do Perú, propôs que, para tranquilidade da América do Sul se destruísse "a povoação de São Paulo", pelo número de crimes ali cometidos. A 13 de julho de 1640, os paulistas invadem o Colégio de São Paulo e expulsam os jesuítas de toda a capitania, considerando-os empecilho ao progresso da colônia, pois defendiam os índios e, assim, as fazendas não poderiam manter-se. Com a libertação de Portugal do domínio espanhol (1640), foram influenciados pelos castelhanos aqui radicados e aclamaram rei a Amador Bueno de Ribeira, que recusou o título e conjurou o povo a reconhecer dom João IV como verdadeiro soberano dos brasileiros. Algum tempo depois, a vida de Piratininga é perturbada pelas lutas políticas entre as famílias Pires e Camargo, verdadeiras guerras civis que só terminaram com a intervenção de Portugal. O paulista possuía terras, mas não tinha gente para cultivá-las. Era classificado pela quantidade de chão que possuía. Quem não tivesse uma sesmaria ficaria deslocado na sociedade,sem direito a cargo algum. Tudo girava em torno da propriedade rural, onde dominava o senhor de engenho. Traço característico do paulista era o respeito à palavra empenhadada. Os maiores negócios se resolviam apenas com uma promessa verbal que era religiosamente cumprida. Com a notícia do ouro fora do território, os bandeirantes atiraram-se pelos sertões, alargando as fronteiras do Brasil. Em1633, segundo as atas da Câmara, fazia-se dinheiro de ouro e prata em São Paulo. Em 1645, Salvador Correia de Sá e Benevides fundava em São Paulo a primeira Casa da Moeda instalada no Brasil, o que se devia talvez à importância das minas do Jaraguá. Por essa época, foi cunhado o "São Vicente", moeda de ouro paulista, cujo valor inicial era de um mil réis. Na segunda metade do século XVII, melhora o padrão de vida. Avultam os objetos de prata. Chegam as colchas da Índia; aparecem catres com cabeceiras torneadas, móveis de jacarandá, redes trabalhadas. O espelho já se tornara conhecido desde 1619. Os paulistas, porém, fascinados pelo ouro, ausentam-se por tempo indeterminado, abandonando a vila, que ficou habitada em grande maioria por mulheres, crianças e velhos. A falta de braços começa a fazer-se sentir na lavoura e na criação de gado. Ao lado de uma prosperidade fictícia, São Paulo entra em decadência, permanecendo nesse estado durante cem anos. Em 22 de março de 1681, por determinação do marquês de Cascais, a sede do governo da capitania passaria a ser na vila de São Paulo. Instalou-se porém somente a 27 de abril de 1683. Por essa época, começou a generalizar-se a palavra "paulista" para designar os filhos de Piratininga. Por carta régia de 22 de janeiro de 1698, a capitania de São Vicente foi separada do governo-geral do Estado do Brasil, sujeitando-se ao governo do Rio de Janeiro, devido à grande distância que ficava da Bahia, sede dos governadores-gerais. Em 1710, abrangendo os atuais Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul, até a colônia do Sacramento, foi, por ordem de dom João V, chamada de "Capitania de São Paulo", em substituição ao nome de "capitania de São Vicente". Em 1711,a vila de São Paulo foi elevada à categoria de cidade. Em 1720, para a maior facilidade de administração, Minas foi desmembrada de São Paulo, que veio a perder também outras partes de seu território, com exceção do Paraná. Em 1748 a capitania de São Paulo foi anexada à do Rio de Janeiro, até 1765, quando voltou a ser independente, sob o governo do Morgado de Mateus. Em 1758, o rei Dom José proibia, definitivamente, o cativeiro dos índios. Era um novo golpe contra a vida econômica de São Paulo, que desse modo, não poderia continuar a exploração das minas com tanta intensidade. Com o declínio da mineração em fins do século XVIII, foi iniciada a lavoura do café, formando-se em Campinas o primeiro cafezal (1809). O Paulista entrega-se então à agricultura. Cria gado. A vida de fazendeiro pacato e desconfiado do século XIX. Seus descendentes procuram estar em contacto com os europeus e adaptam-se à vida civilizada. Essa nova mentalidade fez do paulista primitivo o homem culto e evoluído dos nossos tempos. Em fins do século XVI, a vila de São Paulo, dentro da capitania de São Vicente, teria mil e quinhentos habitantes. Atualmente, a população da capital é de 11.128.848 habitantes, e, todo o Estado, cuja superfície é de 248.256 km², tem 33.069.900 habitantes. Nos últimos cinquenta anos, a população do Estado quadruplicou, fenômeno só comparável ao que se verificou nos Estados Unidos. O Estado de São Paulo é atualmente o maior parque industrial do Brasil e da América Latina. Cortado na capital pelo trópico de Capricórnio, limita-se ao norte com o Estado de Minas Gerais; a leste, com os Estados de Minas, Rio de Janeiro e o Oceano Atlântico; a oeste com os Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul. MICHEL TEMER*
Federação é forma de Estado que visa a manter reunidas autonomias locais. Autonomias locais são localidades intraestaduais que têm peculiaridades próprias, diversas de outras localidades. A tendência natural dessas autonomias, baseadas em suas identidades, é se governarem a si próprias. É para mantê-las unidas que ganha força a tese do Estado Federal. Há um governo central (União) e governos regionais (Estados, municípios). O governo central tem uma sede física, que é o Distrito Federal. No nosso sistema os municípios fazem parte da federação. Na verdade, o nosso Estado é uma federação de municípios. Antes mesmo da Constituição de 88, os municípios já legislavam sobre os assuntos de seu peculiar interesse. Mas foi a partir de 1988 que passaram a integrar, juridicamente, o conceito federal. É uma peculiaridade do sistema constitucional brasileiro. O Estado Federal pode surgir naturalmente, ganhando definição jurídica, ou artificialmente, também adquirindo a mesma definição. Veja-se o caso da federação suíça: a união de cantões significou a reunião de autonomias locais, e fortíssimas, tanto que até os idiomas são diversos, alemão, francês e italiano. A federação americana também nasceu pela união de Estados soberanos. As 13 colônias que se liberaram da dominação inglesa em 1776 formaram Estados individualizados. Cada qual, soberano. Ao depois, em 1787, é que se constituíram numa federação. De soberanos passaram a autônomos politicamente com uma sede física dessa junção, que era o distrito de Columbia. Essa verdade transparece em sua denominação: Estados Unidos da América. Eram Estados soberanos que abriram mão de sua soberania. E é tão forte a federação americana que em matéria penal, por exemplo, os Estados definem suas regras: alguns adotam pena de morte e outros, não. São dois exemplos de federações que se organizaram juridicamente, mas cujo nascimento se deu com muita naturalidade. No Brasil o artificialismo foi a marca do surgimento da federação. Nasceu do Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, que proclamou a República e a federação como forma de Estado. Este até então era unitário, revelando a nossa vocação para centralização do poder. Desde o Brasil colônia foi assim. Veja-se o caso das capitanias hereditárias, seguidas dos governos gerais e, no Império, Estado Unitário. Tudo centralização. Quando se instalou a federação daquela maneira artificial, perdurou ela, sem nenhuma integridade, até 1930, quando a vocação brasileira pela concentração do poder gerou Estado quase unitário que perdurou até 1945. Nova redemocratização e a esperança de uma federação inteira, o que não ocorreu. Deu-se nova concentração a partir de abril de 1964, que seguiu até 5 de outubro de 1988. Com a nova Constituição esperançou-se o País, achando que se estabeleceria efetivamente uma federação. Mais uma decepção. A concentração de recursos e de competências continuou com a União. Tanto que Estados e municípios, de fora parte, alguns recursos tributários que recebem por conta própria dependem da distribuição via União. Municípios vivem à míngua e Estados, na penúria. Precisamos de um Estado Federal verdadeiro, efetivo, observando as nossas dimensões continentais e a diversidade dos hábitos, costumes e necessidades de cada localidade. O conceito de peculiar interesse municipal, repito, sempre pautou os textos constitucionais do País. De outro lado, verifica-se que não adianta distribuir competências sem recursos suficientes para cumpri-las. Tudo isso está a exigir reforma constitucional que repactue a federação brasileira, na convicção de que a descentralização do poder, com recursos e competências, fortalecerá as entidades federativas. Aqui vale a pergunta: qual a utilidade de termos uma verdadeira federação? A primeira ideia é de que o espaço físico ocupado pelo cidadão, primariamente, não é a União nem o Estado, mas o município. Município forte é a base para o desenvolvimento do País. É claro que não pensamos, numa reforma, tratar igualmente todos os municípios. Há aqueles aos quais não basta permitir-lhes recursos fruto da arrecadação própria. Municípios mais carentes continuarão a depender de um fundo de participação municipal. Essa concepção é compatível com a tese das diversidades locais e o artigo 3.º, III, da Constituição, que determina política nacional capaz de reduzir as desigualdades regionais. De outro lado, a descentralização trará a melhoria da gestão pública e a possibilidade de um combate mais direto e objetivo a todo e qualquer desvio administrativo, além de conferir maior responsabilidade aos dirigentes das entidades federativas. Em vez de todos ficarem à espera da União, cada qual dependerá de si próprio. Registre-se que uma verdadeira reforma tributária jamais conseguiu ser efetivada porque está umbilicalmente ligada à repactuação federativa. Se esta vier, trará no seu interior, com muita naturalidade, a reforma tributária, porque estaremos tratando da redivisão de recursos e competências. A ênfase que queremos dar a estas anotações é de que é fundamental a elevação da autonomia municipal ao patamar de uma das principais entidades federativas. E nada mais oportuno do que o presente momento, tendo em vista que este é o ano das eleições para prefeitos e vereadores. Durante a campanha e por todo o tempo e em todos os espaços é importante que se divulguem essas ideias para que, em breve tempo, possamos alcançar a redivisão das competências e dos recursos, tal como estamos propondo. Será fácil realizar esse ideário? Não me parece que seja. O PMDB já lançou sua Ponte para o Futuro, documento que tratou, primordialmente, dos aspectos econômicos do País, cujas ideias surgiram e foram pregadas à vista das dificuldades da economia. Documento ousado, reconhecemos, mas que o Brasil deve continuar a debater. Rediscutir a federação é maneira de continuar a discutir grandes temas nacionais. Impõe-se inaugurar o debate na convicção de que o Brasil não pode continuar a ser um Estado Unitário disfarçado de Estado Federal. * MICHEL TEMER É VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA ![]() Reproduzimos na sequência parte do primeiro capítulo do livro do jurista Dalmo de Abreu Dallari "O Pequeno Exército Paulista". Iniciamos pela transcrição da orelha: "O peso político do Estado de São Paulo na federação brasileira está longe de corresponder ao seu peso econômico. Já houve um período, entretanto, em que os paulistas gozavam de verdadeira autonomia. E para tanto não se valiam apenas de sua força econômica, mas seus governos tinham o apoio de um forte dispositivo policial-militar. As variações do efetivo dessa força e sua posição no orçamento estadual permitem localizar os momentos em que São Paulo precisou lutar por sua autonomia e dispôs-se a isso. O desenvolvimento dado por Dallari a esses temas leva à conclusão de que talvez não seja por simples coincidência que a mudança de natureza da polícia militar de São Paulo ocorre no mesmo momento em que se acentua a perda de expressão política dos paulistas no quadro brasileiro." São Paulo no quadro brasileiro 1 - O homem Paulista 1. Desde os primeiros tempos da vida brasileira, no século XVI, São Paulo teve uma posição peculiar entre as regiões e os povos do Brasil. Logo cedo, por motivos ainda não fixados com precisão, verificou-se que o povo habitante dessa parte do novo território português adotava atitude de independência, criando um sistema de vida próprio, sem levar muito em conta o que ocorria em Portugal, nem para a organização de seu governo, nem para a disciplina de suas relações jurídicas. E os Paulistas, desde o início, foram revelando uma forte determinação, uma extraordinária capacidade empreendedora, que decorria de um misto de ambição e desejo de aventuras. Com o passar dos séculos aquelas características foram-se acentuando, adquirindo, entretanto, tonalidades novas em face de cada momento histórico. Como consequência, sobretudo, dessa forte personalidade e dessa capacidade de adaptação ao meio, verifica-se no correr do tempo, em São Paulo, um desenvolvimento econômico bem mais acentuado do que no resto do território brasileiro. E, enquanto que nas outras regiões se esperava quase sempre a iniciativa do governo para qualquer empreendimento de maior vulto, os Paulistas realizavam com recursos privados o seu potencial econômico. Em meados do século XIX, quando a economia brasileira era de fundamento exclusivamente agrário, há um momento em que duas áreas, com características absolutamente diversas, lutam pela supremacia: de um lado a região nordeste, apoiada no cultivo da cana de açúcar e mantendo uma estrutura agrária de base escravista, pouco rendosa, com os senhores auferindo mais prestígio da extensão da terra possuída do que da renda obtida. De outro lado o centro-sul, especialmente São Paulo, apoiado já na cultura do café e, embora utilizando o braço escravo, dinamizado por uma ambição de ganho, em função da qual os senhores da terra se preocupavam, desde então, com a conquista de mercado consumidor e a melhora do produto. Isto fez com que São Paulo, ao contrário do nordeste, tivesse uma base econômica mais sólida e, portanto, mais capaz de se adaptar à transição do sistema apoiado no trabalho escravo para o sistema do trabalhador livre e assalariado. Numa tentativa de explicação das diferenças de características entre os Paulistas e os brasileiros de outras regiões, o sociólogo Gilberto Freyre, aceitando uma espécie de determinismo geográfico, chega à seguinte conclusão: "No caso dos Paulistas, é possível que a terra roxa e outras terras que compõem o solo da região, tenham que entrar não só na história econômica como na social e antropológica daquele tipo enérgico, mas taciturno e calado de brasileiro" (Problemas Brasileiros de Antropologia, Rio de Janeiro, 1943, página 130). E mais adiante ele observa que, além dos determinismos geográficos e geológicos, outros fatores naturais devem ter influído sobre os caracteres biológicos e psicológicos dos Paulistas, acrescentando: "Ao casticismo Paulistas, ao individualismo do bandeirante, ao seu gosto de aventura, de expansão, de iniciativa e, ao mesmo tempo, ao seu tempo, ao seu gênio tão oposto ao do baiano, ao do cearense ao do gaúcho, talvez se liguem distúrbios felizes, bons exageros de atividades de glândulas endócrinas relacionados, por sua vez, com a composição mineral do solo regional. Felizes e bons do ponto de vista do desbravamento e da autocolonização de larga parte do Brasil por homens tão intrépidos, por híbridos sociologicamente tão vigorosos" (ob. cit., pág. 132). Sejam quais forem as razões verdadeiras ou predominantes, o fato é que essa diferenciação, entre os Paulistas e os demais brasileiros, já pode ser percebida no século XVIII e está perfeitamente definida no início do século XIX. Tal situação influiu para que os imigrantes estrangeiros, chegados ao Brasil após a proibição da importação de escravos e, em maior número, depois da abolição da escravatura em 1888, preferissem trabalhar em São Paulo, onde, a par de um clima temperado e de terras férteis, havia já uma força econômica muito dinâmica em atividade. Essas mesmas razões atraíram para São Paulo muitos imigrantes de outras regiões brasileiras, criando-se uma sociedade cosmopolita, mas preservando-se o dinamismo e a auto-suficiência. 2. Sobre as condições que favorecessem o desenvolvimento de São Paulo no fim do século XIX, atraindo grande número de imigrantes, bem como sobre a influência destes na aceleração do desenvolvimento, é interessante a síntese feita por Caio Prado Júnior. Diz ele que a concentração da indústria em São Paulo, no começo do século XX, foi devida à conjugação de vários fatores favoráveis que aí se encontraram. O principal desses fatores, em sua opinião, foi o progresso geral do Estado, graças ao desenvolvimento sem paralelo de sua lavoura cafeeira, trazendo riqueza à população. A imigração concorreu para o êxito trazendo a habilitação técnica do trabalhador europeu, muito superior ao brasileiro que acabava de sair de um regime de escravidão ou de quase escravidão. Por último, outro fator de grande importância foi a abundância de energia hidráulica, logo aproveitada para a produção de eletricidade, servindo a capital do Estado e outras cidades próximas. Assim é que no ano de 1901 já se encontra em funcionamento a primeira usina Paulista produtora de energia elétrica, pertencente a uma empresa internacional com sede em Toronto, no Canadá, e que produz de início 8.000 HP. Essa empresa - identificada como "Light" em documentos oficiais e estudos, pelo uso abreviado de seu nome - se desenvolveria bastante e exerceria grande influência na vida Paulista, desde então até o presente, pois continua a ter o monopólio da produção e distribuição de energia elétrica na região de São Paulo (conf. Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil, São Paulo, 1949, vol. II, pág. 268). Quanto à preferência dos imigrantes pelo sul (incluindo centro-sul) do país, é oportuno lembrar, como bem observa o historiador Edgar Carone, que São Paulo recebe também grande número de imigrantes de outras partes do país, sobretudo fugitivos das calamidades naturais e sociais do nordeste (conf. Revoluções do Brasil Contemporâneo, São Paulo, 1965, pág. 2). Era natural, portanto, que os imigrantes estrangeiros também procurassem as regiões mais favoráveis, como ocorreu. Finalmente, sob o impacto das duas guerras mundiais deste século, São Paulo passou da economia agrária para a economia industrial, criando e desenvolvendo um ativo parque industrial, sem perder sua importância como produtor rural, o que veio acentuar, ainda mais, sua superioridade econômica no quadro brasileiro, E as forças econômicas internacionais foram sensíveis às possibilidades de São Paulo, estabelecendo aí um dos mais vigorosos redutos da América Latina. Todo esse conjunto de circunstâncias, todas essas características da sociedade cosmopolita que vive em São Paulo, numa ânsia permanente de progresso , isso tudo fez com que Paulo Bonfim, um dos mais importantes poetas Paulistas contemporâneos , dissesse que "Paulista é, antes de tudo, um estado de espírito", para acentuar a existência de aspectos peculiares que identificam o povo que vive em São Paulo, independentemente da origem de cada um. ![]() "Não esqueçamos, todavia, que somente são fecundas e duradouras as reformas, quando penetram em todas as consciências e conquistam todas as vontades." "A aspiração separatista é uma realidade, é um fenômeno que existe no seio da província, que complica cada vez mais, que faz rápido caminho no domínio das consciências, que encontra aderentes por toda a parte, que fala ao coração, que estimula os brios e os preconceitos locais, que cresce espontaneamente, vertiginosamente, que se avoluma a olhos vistos, que se generaliza, que se impõe ao pensamento e ao sentimento da província." "Lei histórica: toda desagregação carrega junto a si o germe de uma nova agregação." "Para criar um povo é preciso o lento trabalho das gerações; o povo não existe definitivamente senão quando seu carácter próprio tem se tornado hereditário pela perpetuação das famílias e pela transmissão." "Ora, a aspiração separatista, questão que espontaneamente brota em nossa província, segundo o nosso modo de pensar, é um resultado inevitável de um destes fatores, como havemos mais tarde de demonstrar; conseguintemente, tem em si todos os elementos que a justificam plenamente, em face da evolução política. Não vemos, portanto, porque o partido republicano não há de sistematizá-lo convenientemente em proveito próprio." "O separatismo assim compreendido, torna-se a luz dos princípios indiscutíveis da ciência, um dos mais legítimos processos da evolução política, e, por isso mesmo, uma das soluções mais razoáveis, mais sensatas, mais aceitáveis do grande problema da reconstrução da nossa nacionalidade." "Está visto, portanto, que o nosso modo de compreender a aspiração separatista, difere muito da interpretação que outros lhe dão; e em vez de trazer consigo esse elemento de antipatia entre as diferentes províncias do país, é o meio mais rápido e mais seguro de se obter a felicidade comum." "Não há remédio: -- ou as províncias romper corajosamente as pesadas correntes da centralização, ainda que se conservem unidas, ou reagem cada uma por si, desconjuntando o império bragantino. O que está não pode continuar." "E na verdade: -- o que está não pode continuar, precisa ser destruído, totalmente destruído. E o único instrumento adequado a esta obra de destruição, que é ao mesmo tempo de regeneração, é o separatismo. Este deve ser o nosso supremo grito de guerra." "Quanto maior for a prosperidade de São Paulo, maior será a ganância dos empregados do fisco imperial." “Que quer o povo? Antes de tudo é preciso no Brasil, saber-se o que quer cada um dos povos que o compõem. As aspirações nacionaes são múltiplas e antagônicas, definidas pelos interesses nítidos de cada região e coloridas pelas varias mentalidades já crystalizadas sob cada pedaço do céu. Não há nação mais desigual que a brasileira. Uma simples inspecção ocular pelo seu acidentado mappa demonstra ao menos esperto a instintiva diversidade dos interesses das suas populações e, como consequência, os immanentes conflictos das suas mentalidades.”
Entrevista do Gal. Goés Monteiro em “O Jornal”, citado por Menotti del Picchia em “A Revolução Paulista”. ![]() TEXTO PUBLICADO PELA PÁGINA TRADIÇÃO PAULISTA O perfil dos paulistas quem o traça com fidelidade e precisão é o governador português Antonio Paes de Sande, que escreveu em 1692: “São briosos, valentes, impacientes da menor injúria, ambiciosos de honra, amantíssimos da sua pátria, benéficos aos forasteiros e adversíssimos a todo ato servil, pois até aquele, cuja muita pobreza lhe não permite ter quem o sirva, se sujeita antes a andar muitos anos pelo sertão em busca de quem o sirva, do que a servir a outrem a um só dia”. Haviam sido benéficos aos forasteiros, escreveu Paes de Sande. E é o que depõe o capitão-mór Silva Pontes, que examinou e completou os apontamentos de Bento Fernandes: “Os aventureiros que concorriam às Minas, vindos de vários pontos do Brasil, e de algumas províncias de Portugal principalmente, eram tão pobres que conduziam às costas quanto possuíam. Graças, porém, à caridade dos paulistas, logo que entravam, uns achavam cama e mesa nas casas destes descobridores: outros recebiam o mantimento somente; mas todos eles obtinham introdução nas lavras, até que ajuntando se habilitassem para viverem às suas expensas”. E tudo isto que valeu? A paga à bondade, à “caridade dos paulistas”, aí estava. Os aventureiros reinóis os espoliaram. Foi muito, mas não foi tudo. Davam mostras de que não viveriam nunca sob o jugo da raça nova. Humilhação sujeitar-se a um poder que não português. Os nacionais “impacientes da menor injúria, ambiciosos de honra, amantíssimos da sua pátria”, castigarão a audácia. Na linguagem popular dos mineiros paulistas a designação forasteiro passa à sinonímia de adversário. Os portugueses e os seus aliados são os Emboabas. FONTE: MELLO, J. S. Emboabas. São Paulo: Governo do Estado, 1979, p. 40-42. ![]() Com a revolta do individualismo, perde-se toda a consciência do supra-mundo. Então resta como omnicompreensiva e certa unicamente a visão material do mundo, a natureza como exterioridade e como fenômeno. As coisas vão passar a ser vistas como nunca o tinham sido anteriormente. Já tinha havido sinais precursores desta revolução, mas na realidade tratava-se apenas de aparições esporádicas, que nunca se tornaram forças formadoras da civilização. É agora que a realidade se torna sinônimo de materialidade. O novo ideal da ciência diz respeito unicamente ao que é físico para se esgotar em seguida numa construção: já não é a síntese de uma intuição intelectual iluminadora, mas sim o esforço de faculdades puramente humanas por unificarem a partir de fora, “indutivamente”, com apalpadelas esporádicas e não por meio de uma visão, a variedade múltipla das leis de constância e de sequência uniformes, hipóteses e princípios abstratos, cujo valor se mede unicamente em função da sua capacidade de previsão mais ou menos exata, sem que forneçam algum conhecimento essencial, sem que descubram significados, e sem que conduzam a uma libertação e a uma elevação interiores. E este conhecimento morto de coisas mortas vai desembocar à arte sinistra de produzir seres artificiais, automáticos, obscuramente demoníacos. Ao advento do racionalismo e do cientismo devia fatalmente seguir-se o advento da técnica e da máquina, centro e apoteose do novo mundo humano. [...] Mas uma lei de ação e de reação requer que a cada usurpação individualista se siga automaticamente uma limitação coletivista. O sem-casta, o servo emancipado e o pária glorificado — o “homem livre” moderno — encontra à sua frente a massa dos outros sem casta, e por isso, finalmente, a bruta potência do coletivo. É assim que prossegue a derrocada: do pessoal retrocede-se para o anônimo, no rebanho, na quantidade pura, caótica e inorgânica. E tal como a construção científica procurou, com um processo a partir de fora, recompor a multiplicidade dos fenômenos particulares que agora ficaram privados de unidade interior e verdadeira que só existe no plano do conhecimento metafísico — assim os modernos procuraram substituir a unidade que nas sociedades antigas era dada pelas tradições vivas e pelo direito sagrado, por uma unidade exterior, anódina, mecânica, de que todos os indivíduos sofrem a pressão, já sem terem entre eles qualquer relação orgânica e sem se poderem aperceber de nenhum princípio ou figura superior, graças ao qual a obediência seja também um consentimento e a submissão seja também um reconhecimento e uma elevação. Assentes fundamentalmente nas condições da existência material e nos vários fatores da vida simplesmente social dominada sem luz pelo sistema impessoal e nivelador dos “poderes públicos”, surgem, por essa via, formas coletivas que lançam no absurdo a instância individualista. Apresentem-se elas sob a máscara de democracias ou de Estados nacionais, de repúblicas ou ditaduras, estas formas não tardam a ser arrastadas por forças infra-humanas independentes. Julius Evola, In: Revolta Contra o Mundo Moderno. Imagem: Ilustração de Belmonte publicada no jornal Folha Manhã em 9 de julho de 1935. Joseph Pearce.
O distributismo é o nome dado a um credo político e sócio-econômico originalmente associado com G.K. Chesterton e Hilaire Belloc. Chesterton se curvou perante a preeminência de Belloc como disseminador das idéias do distributismo, declarando Belloc o mestre em relação a quem ele era meramente um discípulo. "Você foi o fundador e pai dessa missão", escreveu Chesterton. "Nós fomos os conversos, mas você foi o missionário... Você relevou primeiro a verdade tanto ao seu maior como a seus menores servos... Grande será sua glória se a Inglaterra respirar de novo". Na verdade, apesar de Chesterton, Belloc foi meramente o propagador e popularizador da doutrina social da subsidiariedade da Igreja como exposta pelo Papa Leão XIII no Rerum Novarum (1891), uma doutrina que seria reafirmada, reconfirmada e reforçada pelo Papa Pio XI no Quadragesimo anno (1931) e pelo Papa João Paulo II no Centesimus annus (1991). Enquanto tal, é importante, primeiro e mais importantemente ver o distributismo como uma derivação do princípio da subsidiariedade. Como há muitos que não terão conhecido termos como "subsidiariedade" ou "distributismo", pode ser de ajuda fornecer uma breve revisão dos elementos centrais de cada um. No Catecismo da Igreja Católica a subsidiariedade é discutida no contexto dos perigos inerentes ao poder ser excessivamente centralizado nas mãos do Estado: "A intervenção excessiva do Estado pode ameaçar a liberdade pessoal e a iniciativa. O ensinamento da Igreja elaborou o princípio da subsidiariedade, segundo a qual uma comunidade de uma ordem superior não deveria interferir na vida interna de uma comunidade de uma ordem inferior, privando esta de suas funções, mas ao invés deve apoiá-la em caso de necessidade e ajuda a coordenar sua atividade com as atividades do resto da sociedade, sempre com vistas ao bem comum. Posto de forma simples, o princípio da subsidiariedade se apóia na pressuposição de que os direitos de pequenas comunidades - e.g., famílias ou vizinhanças - não devem ser violados pela intervenção de comunidades maiores - e.g., o Estado ou burocracias centralizadas. Assim, por exemplo, em termos práticos, os direitos dos pais de educar os filhos sem a imposição pelo Estado de um currículo escolar "politicamente correto" estaria cristalizado pelo princípio da subsidiariedade. A influência parental nas escolas é subsidiarista; a influência estatal é anti-subsidiarista. "Subsidiariedade" é uma palavra estranha mas ao menos serve como definição adequada do princípio para o qual ela é o rótulo. Distributismo, pelo outro lado, é uma palavra estranha e um rótulo estranho. O que exatamente se defende distribuir? Não seriam comunistas e socialistas "distributistas" no sentido de que eles buscam uma distribuição mais equitativa da riqueza? Porém Belloc afirma veementemente que o distributismo é radicalmente diferente das idéias subjacentes do comunismo e do socialismo. É por razões de clareza, portanto, que leitores modernos considerariam útil traduzir "distributista" como "subsidiarista" ao ler a crítica da política e da economia de Belloc. As obras fundamentais de Belloc nessa área são O Estado Servil (1912) e Um Ensaio sobre a Restauração da Propriedade (1936), enquanto as de Chesterton são O Contorno da Sanidade (1925) e seu ensaio tardio, "Reflexões sobre uma Maçã Podre", publicada em A Fonte e os Baixios (1935), representam contribuições sapientes à causa distributista ou subsidiarista. Deveria ser também notado que o romance de Chesterton, O Napoleão de Notting Hill, é essencialmente uma parábola distributista. Posto sucintamente, o distributismo é o nome que Belloc e Chesterton deram à versão de subsidiariedade que eles estavam defendendo em seus escritos. Graças principalmente a seus esforços, e a de outros como o Padre Vincent McNabb, o distributismo se tornou muito influente no período entre as duas guerras mundiais. No ápice de sua influência, a Liga Distributista tinha filiais por todo o Reino Unido. Sua influência cruzou o Atlântico sob o apadrinhamento de Peter Maurin e Dorothy Day e chegou à proeminência nas políticas do Movimento Trabalhista Católico em seus anos formativos. Há também paralelos significativos entre as idéias dos distributistas e as dos agrarianistas sulistas, ainda que as similaridades não devam ser exageradas. Similarmente, há paralelos com a visão de "economia como se as pessoas importassem" delineada pelo economista E.F. Schumacher em seu bestseller, O Pequeno é Belo. Diferentemente dos socialistas, os distributistas não estavam defendendo a redistribuição de "riqueza" per se, ainda que eles acreditassem que este seria um dos resultados do distributismo. Ao invés, e a diferença é crucial, eles estavam defendendo a redistribuição dos meios de produção para tantas pessoas quanto possível. Belloc e os distributistas traçaram a conexão vital entre a liberdade do trabalho e sua relação com os outros fatores de produção - i.e., terra, capital, e espírito empreendedor. Quanto mais o trabalho é divorciado dos outros fatores de produção mais ele é escravizado à vontade de poderes fora de seu controle. Em um mundo ideal cada homem seria dono da terra em que, e das ferramentas com que, ele trabalhasse. Em um mundo ideal ele controlaria seu próprio destino tendo controle sobre os meios de sua sobrevivência. Para Belloc, essa era a mais importante liberdade econômico, a liberdade ao lado das quais todas as outras liberdades econômicas são relativamente triviais. Se um homem possui essa liberdade ele não sucumbirá tão facilmente a invasões sobre suas outras liberdades. Belloc era, porém, um realista. De fato, se ele errou em algo foi no pessimismo. Ele teria concordado com a máxima axiomática de T.S. Eliot em "Os Homens Vazios" que "entre a potência e a existência está a sombra". Nós não vivemos em um mundo ideal e o ideal, no sentido absoluto, é inatingível. Ainda assim, como cristão, Belloc acreditava que somos chamados a buscar a perfeição. Somos chamados a imitar a Cristo, ainda que não possamos ser perfeitos como Cristo é perfeito. E o que é verdadeiro para o homem em sua relação com Deus é verdadeiro para ele em sua relação com seu vizinho, i.e., somos chamados a buscar uma sociedade melhor e mais justa, ainda que ela nunca venha a ser perfeita. Portanto, em termos práticos, cada política ou cada prática que leva a uma reunião do homem com a terra e o capital do qual ele depende para sua sustentação é um passo na direção certa. Cada política ou prática que o coloca à mercê daqueles que controlam a terra e o capital dos quais ele depende, e portanto que controlam também seu trabalho, é um passo na direção errada. A política prática é sobre se mover na direção certa, não importa o quão lentamente. Em termos práticos, as seguintes seriam as soluções distributistas para problemas atuais: políticas que estabeleçam um clima favorável para o estabelecimento e prosperidade de pequenas empresas; políticas que desencorajem fusões, aquisições e monopólios; políticas que permitam a desintegração de monopólios ou grandes empresas em pequenas empresas; políticas que encorajem cooperativas de produtores; políticas que privatizem indústrias nacionalizadas; políticas que tragam poder político real para mais perto da família pela descentralização do poder do governo central para governos locais, do grande governo ao pequeno governo. Todos estes são exemplos práticos de distributismo aplicado. Como os exemplos práticos supracitados sugeririam, o distributismo/subsidiariedade não é um ideal esotérico sem qualquer aplicabilidade prática na vida política e econômica quotidiana. Pelo contrário, está no coração da política e da economia. Em toda política e economia há a tendência para que o poder se torne centralizado nas mãos de cada vez menos pessoas. A subsidiariedade pode ser vista como o antídoto para essa centralização, i.e., é o princípio no coração das forças de descentralização, o princípio que demanda os direitos e a proteção de unidades políticas e econômicas menores contra as intrusões do governo central e das grandes empresas. Outros exemplos práticos podem ser dados. A constituição da União Européia é fundamentalmente centralista em sua própria natureza, tanto que toda referência a "subsidiariedade" em documentos da UE não passa de um emprego escandaloso de um duplipensar orwelliano. Enquanto tal, o que se tornou conhecido como "euroceticismo", a opinião de que a União Européia é um grosseiro monolito que precisa ser desmontado, é fundamentalmente subsidiarista. Similarmente os direitos de culturas reais a desfrutarem de seus modos tradicionais de vida são essencialmente subsidiaristas, enquanto a legislação urbanista banindo iniciativas rurais tradicionais é uma violação da subsidiariedade. Nos EUA o direito ao porte de armas e no Reino Unido o direito de caçar raposas se encaixaria nessa categoria. (Não é uma questão de "controle de armas" ou "direitos animais", mas do direito de culturas rurais de escolherem seu modo de vida sem a imposição de juízos de valor urbanos). A contínua erosão dos direitos dos estados dentro dos EUA e a consequente ampliação de poder do governo federal e da Suprema Corte é uma violação da subsidiariedade. Muitos outros exemplos poderiam ser dados, mas estes são suficientes para nossos propósitos atuais. Em resumo, e em suma, o distributismo como uma variação do princípio da subsidiariedade oferece a única alternativa real à macrofilia e a macromania do mundo moderno. PUBLICADO NO SITE LEGIO VICTRIX ![]() Trechos do livro "Os Paulistas", de João de Scantimburgo "Em nosso tempo, a nobreza, as elites são conceptualmente mumificadas na carcaça das coisas absorvidas pelos novos tempos. A democracia, que veio a se espalhar pelo mundo, na esteira das revoluções americana e francesa, essa democracia patrocinadora da igualdade utópica; o delírio aventureiro dos chefes, como Mussolini, Hitler, Stalin, Mao e outros; os terroristas de todos os naipes; a massa das sociedades contemporâneas dominadas pelos meios de comunicação, refugaram o conceito de nobreza para as lixeiras da História. À consciência moderna repugnaria a distinção da qual o autêntica sentido de nobreza se faz acompanhar. Não obstante o furor revolucionário de nosso tempo, a nobreza é fato natural das sociedades, e só lhe fazem oposição a guerra revolucionária, a subversão endêmica de que sofre o mundo, desde a era das revoluções. Recuando no tempo, vamos encontrar a nobreza não deformada pelo processo revolucionário, constituindo uma das ordens do reino, a que deveria, com o rei, governar. Essa ordem transferiu-se para o Brasil, instalou-se - para o que nos interessa - em São Paulo, difundiu a sua psicologia, expandindo-a na linha do ideário histórico da monarquia portuguesa, e veio suscitar o que convencionamos chamar de "espírito paulista" ou "espírito bandeirante". É nesse fulcro remoto que devemos ir faiscar as origens grandiosas de nossa vibrante civilização, a ousadia e coragem das bandeiras, o ascetismo da colonização, onde não se encontra o menor laivo de conforto, na abnegação e na renúncia de gente que se sabia imbuída de altíssimo dever, o de ampliar o império português e defender a fé de Cristo. Não se pode cortar o passado, sob pena de não se saber para onde ir no futuro. Se quisermos ser fiéis a nós mesmos, se quisermos cultuar a fidelidade como princípio, devemos reconhecer e proclamar a verdade histórica, essa de que a a concepção sobranceira da vida palpita, subjacente, na formação dos Paulistas." "Não concordamos com Afonso d'Escrangnolle Taunay, para quem os dois principais móveis da conquista do território pelos paulistas foram o tráfico de escravos e a pesquisa de metais preciosos. Um e outro eram móveis, sem dúvida, mas, acima deles, pairava, latente, o chamamento da dilatação da fé e do império, esse "inconsciente coletivo", que levou os paulistas para o interior. Moralmente, psicologicamente, o português cristão-velho nunca foi ávido no apetecer riquezas consideráveis. A rala população do planalto bastava-se nos grandes domínios rurais que se foram, progressivamente, formando, no planalto e do planalto na direção de Jundiaí e Campinas. Numa terra destas, em que "não há pobre que não seja farto com pouco trabalho", como diz Oliveira Vianna, o paulista queria a participação do índio na sua empresa, para melhor realizá-la, e, aspirando ao encontro das minas, sonhava com o El Dorado, essa fantasia do Renascimento, à qual o ouro do Perú, explorado pelos espanhóis, deu cunho de realidade. Mas não se pode reduzir a obra colonizadora e civilizadora dos paulista à exclusiva ambição econômica, que se estará, anacronicamente, dando razão à tese de Marx. No exemplo paulista de civilização, a economia foi o epifenômeno da posse política de uma nova terra, a sua conquista e o seu povoamento." SCANTIMBURGO, João. Os Paulistas. São Paulo: Imprensa Oficial. |